segunda-feira, 26 de abril de 2010

Índios Cearenses vão ganhar educação específica

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Os índios cearenses vão poder manter viva suas tradições e costumes, agora, com uma formação diferenciada

FOTOS: MELQUÍADES JÚNIOR
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Desde pequenos, os índios podem ter maior aprendizagem sobre suas etnias, com professores mais bem formados


Povos indígenas do Ceará vão poder ter ensino superior com o curso de Magistério Indígena Intercultural
Fortaleza
Promover uma educação específica, que contemple os saberes tradicionais dos povos indígenas cearenses em um curso que conta com a participação dos integrantes das comunidades em sua construção. Este é o objetivo do curso de Magistério Indígena Superior Intercultural dos Povos Pitaguary, Tapeba, Kanindé, Jenipapo-Kanindé e Anacé (Misi-Pitakajá), oferecido da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O curso foi aprovado no último dia 24 de março pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da instituição. Este é o segundo curso de graduação dessa natureza ofertado pela UFC, que em 2006 criou o curso de Magistério Indígena Tremembé Superior (Mits).

Formação

Os cursos fazem parte do Programa de Formação Superior e Apoio a Licenciaturas Indígenas (Prolind), do Ministério da Educação (MEC). Enquadram-se na modalidade Licenciatura Intercultural Específica para formação de professores em nível superior para escolas indígenas, no Ensino Fundamental e, também, no Ensino Médio.

Assim como o dos Tremembé, o projeto político pedagógico do curso para estas cinco etnias foi resultado do trabalho conjunto realizado entre pesquisadores da UFC e, também, representantes das comunidades indígenas. Uma prova dessa parceria é que o curso terá dois coordenadores: Babi Fonteles, do curso de Psicologia do Campus da UFC no Município de Sobral - localizado na Zona Norte do Estado -, e Jeová Pitaguary, que vai representar as comunidades indígenas.

Recursos

De acordo com Babi Fonteles, está sendo esperado "apenas a liberação dos recursos por parte do MEC para que possamos dar início às atividades letivas, o que deve ocorrer no segundo semestre deste ano".

O coordenador ainda informou que o investimento será de R$ 320 mil por ano. "Do ponto de vista da habilitação, a formação dos professores do Magistério Indígena Superior Intercultural será legalmente reconhecida", explica Babi Fonteles.

Ele ainda acrescentou que a habilitação não permite a atuação em escolas regulares, mas apenas nas escolas para formação específica de sua etnia.

Primeira turma

As 80 vagas desta primeira turma serão distribuídas entre as cinco etnias que serão contempladas com o novo curso de formação superior.

A divisão ficou da seguinte forma: Tapeba, etnia localizada no município de Caucaia, - 24 vagas; Pitaguary, que ficam nas cidades de Maracanaú e Pacatuba, - 19; Jenipapo-Kanindé, etnia que vive no Município de Aquiraz, - 15; Kanindé, índios que estão em Aratuba e Canindé, - 12; e Anacé, etnia que vive nas cidades de Caucaia, Pecém e, também, São Gonçalo do Amarante, - terão 10 vagas. Os participantes do curso foram indicados por suas comunidades, entre aqueles professores com Ensino Médio ou Ensino Médio Diferenciado e em atividade nas escolas indígenas.

"Inclusive, um dos critérios da seleção era que eles não tivessem a formação superior regular", ressalta Fonteles.

Diferencial

Outro diferencial do curso, de acordo com o coordenador da Universidade Federal do Ceará, é que toda a formação ocorre dentro do ambiente das aldeias. Além das matérias do currículo regular da formação pedagógica docente, os futuros professores terão, ainda, disciplinas específicas da cultura indígena, como, por exemplo, "Toré - Ciência, Filosofia e Espiritualidade Indígena".

"Essa participação das comunidades indígenas fornece ao curso uma legitimidade e uma matriz curricular que contempla as culturas das etnias participantes", destacou o coordenador Babi Fonteles.

Ele lembra que desde o início dos anos 90 existe uma luta das etnias para introduzir, nas escolas, materiais e conhecimentos que não são contemplados pelos currículos do ensino regular, citando como exemplo a Escola Alegria do Mar, instalada na aldeia Tremembé. "Os povos indígenas estão em processo de apropriação das escolas, e desejam promover uma reinvenção dessa escola como instrumento para suas lutas de afirmação étnica", salientou.

De acordo com Babi Fonteles, "é uma conquista que se dá não apenas para escolarizar e fazer uma inclusão nas estatísticas, mas para estabelecer relações mais igualitárias, como uma extensão do espaço de luta desses povos".

Questionado sobre o fato de que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) já contemplam que o ensino, mesmo regular, deve ser adaptado à realidade da comunidade em que está inserida, Babi Fonteles acredita que a margem de adaptação praticada no ensino regular não é suficiente para os anseios das etnias e acaba expressando um modelo pretensamente nacional, sem diferenciação.

Contemplação

"O currículo regular atual não contempla a contento a cultura indígena. A organização do calendário, o sentido dos feriados, os conhecimentos transmitidos incorporam os saberes da sociedade convencional, mas o contrário não acontece", comentou o coordenador.

Nesse sentido, conforme ele, "a escola indígena é muito mais intercultural. No dia em que a escola regular conseguir dar conta da diversidade cultural desses povos, aí sim poderíamos pensar em acabar com o ensino diferenciado".

BOA ACEITAÇÃO
Comunidades aprovam curso
Fortaleza Expectativa e satisfação. De acordo com o outro coordenador indígena do curso Misi-Pitakajá de Magistério Indígena Superior Intercultural dos Povos Pitaguary, Tapeba, Kanindé, Jenipapo-Kanindé e Anacé (Misi-Pitakajá), Jeová Pitaguary, este é o sentimento das comunidades diante da aprovação do novo curso pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

"As lideranças das cinco etnias estão muito felizes, principalmente pela formação ser nas próprias aldeias e, também, pelo fato do currículo ser feito de forma conjunta", disse o coordenador. Ainda de acordo com ele, "a aprovação do curso é uma grande conquista que tivemos e todos estão ansiosos para o início das aulas".

Composição
A etnia indígena Pitaguary, da qual o coordenador faz parte, é composta por seis aldeias e está localizada nos municípios de Maracanaú e Pacatuba (situados na Região Metropolitana de Fortaleza). A etnia conta com três escolas: a Escola Chuí, localizada na Aldeia Olho D´Água, a Escola do Povo Pitaguary, na aldeia de Santo Antônio, e a Escola Ita-Ara, que fica na aldeia Monguba.

Atualmente, o ensino indígena diferenciado acontece, nas próprias aldeias, para os estudantes do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). No entanto, os jovens que ingressam no Ensino Médio precisam frequentar a escola regular na cidade de Maracanaú, que fica cerca de seis quilômetros distante do lugar onde eles vivem com suas famílias.

"Já temos o espaço físico e professores capacitados para ministrar as aulas. Falta apenas o credenciamento pelo Conselho de Educação do Ceará para que possamos incluir o Ensino Médio específico para nossa etnia", coloca ele.

Jeová Pitaguary reforça a argumentação de que o ensino regular não é a melhor opção para as comunidades indígenas, por ter um caráter uniforme. "O ensino das escolas fora das aldeias é voltado para qualquer sociedade. A diferença do Magistério Indígena Intercultural é que nossos saberes tradicionais farão parte do currículo dos professores que, no entanto, não deixarão de ver as demais disciplinas requisitadas num curso superior", argumenta.

Base cultural

De acordo com ele, os povos que passaram, ao longo dos séculos, por tentativas de descaracterização precisam, por meio da educação, formar uma base para que a cultura e a tradição indígenas possam ter continuidade. "Acho que essa iniciativa vem revolucionar a educação, na medida em que podemos projetar a nossa própria formação", finaliza o coordenador do curso.

Karoline VianaRepórter


MAIS INFORMAÇÕES Curso de Magistério Indígena Superior Intercultural
Babi Fonteles, coordenador UFC
(85) 9124.7817/ (88) 9986.4499

Vagas
80vagas da primeira turma serão distribuídas entre as cinco etnias que serão contempladas com o novo curso de formação superior Pitaguary, Tapeba, Kanindé, Jenipapo-Kanindé e Anacé

Fonte: Diário do Nordeste

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