quarta-feira, 22 de abril de 2009

Brasil: Escritores e poetas indígenas na blogosfera

Há dentre os índios blogueiros do Brasil um grupo especial de escritores e poetas indígenas. Apesar de alguns antropólogos e lingüistas desacreditarem da noção de literatura indígena, traçando a origem deste conceito à cultura ocidental, particularmente a partir de Aristóteles, alguns índios brasileiros de origem ameríndia, apesar de também mestiça, se auto-declara como escritores da literatura indígena. Não só isso, mas estão publicando livros, tendo suas obras traduzidas para diversas línguas e blogando muito!

Foto de Daniel Munduruku

Foto de Daniel Munduruku

O maior expoente desde movimento de literatura indígena é Daniel Munduruku, escritor indígena originário da Amazônia e residente em São Paulo, com mais de 30 livros publicados e diretor do Inbrapi, entidade criada em 2001 com o objetivo de defender os conhecimentos tradicionais indígenas da biopirataria e exploração por terceiros. Daniel tem um website bilíngüe dedicado ao seu trabalho literário, na maior parte infanto-juvenil, mas no seu blog ele aproveita para chamar atenção para notícias importantes para os povos indígenas e apoiar causas que o inspiram. Por exemplo, neste Dia Internacional da Mulher, Daniel fez uma bela declamação em prosa para as companheiras:

Penso compulsivamente nas mulheres. Não se trata de um olhar desejoso, mas corajoso.
Corajoso porque, confesso, morro de inveja delas: da coragem, da obstinação, da intuição, do olhar sempre distante e sempre presente; da fortaleza e da fraqueza que revelam.
Sei que poderão pensar que isso é humano, presente em homens e mulheres. Eu discordo. Conheço o masculino, convivo com ele em mim e sei que por mais esforço que faça percebo um lobo faminto, sem escrúpulos e sem medida.
Acho que o homem masculino devia ouvir mais as mulheres. É claro eu alguns dirão que elas falam demais. Isso também é justo e certo, mas talvez falem muito por terem sido ouvidas tão pouco em passado recente e terem, por isso, que gritar para se fazerem ouvidas. Por isso tenho a impressão que nós homens, precisamos exercitar o sagrado direito de fazer silêncio, ouvir, ouvir e ouvir.
Outros oponentes dessa teoria dirão que, assim, viraremos mulheres. Rebato o argumento dizendo: é disso que estou falando!
Ao menos hoje temos que calar para deixar nossa intuição falar. E minha intuição diz que preciso sentir a dor do outro pra compreendê- lo em sua dimensão humana.
Hoje quero ficar assim, miudinho, pequenininho, quietinho só para ver a magnitude do ser - mulher falar coisas que preciso ouvir.

Falando em mulheres, o movimento da literatura indígena é magnificamente bem representado por Eliane Potiguara, escritora, professora e ativista indígena que em 2005 foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz (Projeto Mil Mulheres do Mundo). Eliane, cuja origem é paraibana mas vive no Rio de Janeiro, tem um website próprio, aonde divulga sua obra literária, mas também mantém o blog como parte de seu trabalho na rede GRUMIN de Mulheres Indígenas, da qual é fundadora e coordenadora. O blog é um instrumento de comunicação para as mulheres indígenas e traz um misto de literatura, oportunidades e chama atenção para episódios relevantes da luta das mulheres indígenas.

Recentemente, Eliane postou um belo texto sobre a literatura dos excluídos que expôs em um evento:

A literatura dos excluídos ainda é uma pele de Boto que foi destruído ao longo dos séculos e que está esquecido e abandonado no fundo dos rios a precisar renascer_ ardentemente_ com a força da alma da natureza e humana. Mas essa natureza está envolta nas amarras dos séculos de dor, do obscurantismo, dos grandes enigmas e contradições da própria existência, do divino e do amor. A literatura ainda é um segmento cultural e político que não consegue chegar na totalidade das camadas menos privilegiadas social e economicamente do Brasil e do mundo.

Esse Boto Literário precisa ser salpicado com as lágrimas emocionadas da Natureza, muitas desvairadas lágrimas. Aí sim, essas feridas do mundo­_ que as mulheres indígenas as eternizaram com seus beijos de cura, bálsamos históricos, histórias não contadas e adormecidas no fundo do rio ou dos oceanos, essas sim, _ serão eternamente curadas, assim como o Boto literário.

O mais recente livro de Eliane Potiguara

O mais recente livro publicado por Eliane Potiguara

Outro escritor indígena muito atuante é Olivio Jekupe que tem uma trajetória de vida incrível, tendo superado diversos obstáculos para conseguir cursar filosofia e firmar-se como escritor que hoje é, com diversos livros publicados e traduções para o italiano. Olivio traz fortemente a questão de sua origem mestiça, o que é a realidade de muitos índios brasileiros:

O mestiço é o mais discriminado nesse país, pois tanto eu quanto muitos no Brasil sofrem. Sei que sou mestiço e não tenho culpa de ser, e a miscigenação existe desde a chegada dos portugueses, não sou o primeiro índio não puro e não serei o último. Mesmo não sendo índio puro, quero dizer que tenho orgulho de ser o que sou e não podemos ter vergonha, meso que a sociedade nos discriminem.

No seu blog, Olívio traz matérias sobre sua literatura indígena, por exemplo, a interessante história da origem indigena do Saci, personagem do folclore brasileiro consagrado por Monteiro Lobato como um negro perneta, e informa que o verdadeiro Saci tem duas pernas!

Imagem do Saci Pererê de Monteiro Lobato. Imagem de André Koehne sob licença do Creative Commons

Imagem do Saci Pererê de Monteiro Lobato. Imagem de André Koehne sob licença do
Creative Commons

Não sei se já ouviram falar que o Saci na verdade é um personagem indígena e que tem duas pernas, é provável que não ouviram ainda, pois eu fui o primeiro que escreveu dois livros que fala sobre esse personagem, tenho dois livros com o título - Ajuda do Saci, da Editora DCL, e o outro que se chama - O Saci Verdadeiro, da Editora UEL. Nos meus livros eu tento mostrar que o personagem tem duas pernas e é um índio, diferente da visão de Monteiro Lobato.
E sei que já tem documentários sobre esse tema, e muitas matérias que falei para jornalistas, e até teses de mestrado sobre o tema, como fez a escritora Graça Graúna onde ela fala do meu livro, O Saci Verdadeiro.
É importante que todos possam conhecer esse personagem onde tento mostrar o que nas Aldeias Guarani é comum ouvir sobre ele.
Sei que um dia minhas histórias serão tão conhecida que serei convidado para dar palestras em vários cantos do Brasil, de Norte a Sul do Brasil.

Olívio menciona Graça Graúna que é outra escritora indígena, poetisa, da região Nordeste do Brasil, de origem do Rio Grande do Norte mas residente em Pernambuco, tão ativa na vida quanto na blogsfera. Seu blog é premiado, muito visitado e traz um misto de notícias sobre literatura indígena e maravilhosos trechos de sua poesia. Dentre tantas, colhi uma poesia para vocês saborearem, que é também flor:

aos poetas Carlos e Sônia Brandão

… que Ñanderu* acolha
as pedras da nossa canção.
Que seja pedra enquanto leveza
o sinal: sem poesia os tempos não existirão
Graça Graúna, Nordeste do Brasil, 12 de março de 2009.

* Ñanderu em guarani, significa Nosso Pai; o Grande Espírito, o Criador.

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